Entrando em nosso terceiro dia de “Semana Premier League“, hoje destacamos a nossa primeira entrevista deste especial. Se ainda não leu os nossos dois primeiros conteúdos, confira o texto especial escrito pela equipe da Premier League Brasil, que abordou o crescimento da liga no país, e também o espetacular trabalho da The Citizens Brasil, a torcida oficial do Manchester City no Brasil.
Quase três anos após nossa primeira entrevista, voltamos a conversar com Fernando Zuchetto Maisonnave, Customer Insights Manager do Liverpool. Desta vez, o profissional está em outra área, ainda dentro do departamento digital dos Reds, mas agora com um foco mais de marketing e comercial.
Fernando está no clube desde 2013, por ocasião da contratação do brasileiro Philippe Coutinho. Ele participou do lançamento oficial do Twitter da equipe em Português e nos três primeiros anos ficou dedicado à expansão internacional através das plataformas digitais.
O profissional nos passou um pouco desta sua mudança de área, como o Liverpool tem trabalhado seus fãs globais e a importância do mercado chinês na atual estratégia comercial. Aprofundamos também em um tema pouco explorado por aqui, o Big Data, e a preocupação do clube em melhorar cada vez mais o atendimento ao seu torcedor. Leitura obrigatória!
Fernando, como é pra você trabalhar em uma das equipes mais tradicionais e vencedoras do futebol inglês em um momento que a Premier League se fortalece ainda mais aos olhos do mundo?
Trabalhar no Liverpool é uma experiência enriquecedora, desafiadora e que me dá muita satisfação e orgulho. A exigência em um clube com tradição e história é grande também fora das quatro linhas, e fazer parte da liga de futebol mais rentável do mundo implica em um nível de competitividade muito alto em relação a outros clubes da Premier League e demais ligas grandes Europeias. Iniciei minha carreira no clube em 2013, quando da contratação do Philippe Coutinho, que usamos como marco para fazer o lançamento oficial do Twitter do clube em Português (@LFCBrasil). Passei meus três primeiros anos no clube dedicado à expansão internacional através de meios digitais, e tive a oportunidade de trabalhar com equipes dos mais diversos países e culturas do mundo enquanto coordenava as redes sociais e websites globais do clube. Foi um período bastante intenso e ao mesmo tempo recompensador, pois também fazia parte da minha rotina ajudar na cobertura dos jogos do Liverpool e conviver com os jogadores, gerando conteúdo e gerenciando as postagens nas nossas redes de maneira sincronizada. Também tive uma função mais jornalística nesta época, fazendo entrevistas para o nosso site e canal de TV tradicional e online (LFCTV), além de muitas vezes ter acompanhado os atletas em entrevistas a meios externos de comunicação. No final de 2015 tive então a oportunidade de assumir uma gerência na área de marketing, encabeçando um time que provê dados e inteligência para as mais diversas divisões do clube, inclusive o futebol, com a função principal de identificar e demonstrar tendências e oportunidades, trabalhando juntamente com as demais sub-áreas do marketing para melhor aproveitar estas oportunidades. O avançado desenvolvimento comercial dos clubes e da própria Premier League são fatores primordiais que tornam a liga muito atrativa ao redor do mundo, e nossa função é abastecer o negócio com informações que auxiliem o Liverpool neste desenvolvimento.
Excluindo a parte acadêmica e profissional, sua relação com a liga inglesa iniciou quando? Tem alguma lembrança marcante sobre algum momento?
Sempre fui muito ligado ao futebol e acompanho as ligas europeias há bastante tempo. Lembro que no final dos anos 80 e início dos anos 90, ainda criança, eu assistia muito à liga italiana, numa época em que esta era absoluta dentro do futebol europeu. A Premier League como conhecemos só foi formada no início dos anos 90 e levou alguns anos para se tornar a potência que é hoje. Assim, eu diria que a minha proximidade com a liga inglesa se intensificou no ano de 2005, naquela famosa final da Champions League em que o Liverpool conseguiu uma virada improvável após estar perdendo por 3×0 para o poderoso Milan, quando ganhamos o nosso quinto título Europeu. Não só aquele foi o momento em que passei a acompanhar a Premier League mais de perto como foi também a ocasião onde passei a ter um certo carinho e admiração pelo Liverpool. De certa forma, vir a trabalhar no clube foi como a realização de um sonho.
É impossível não abordar o impacto da saída de Coutinho no trabalho de conteúdo feito pelo clube. O Liverpool possui uma comunicação direta com o público brasileiro e, ainda que tenha no elenco Firmino, titular e Seleção brasileira, Coutinho era um importante pilar de relacionamento. Poderia comentar esta mudança e se Firmino terá protagonismo daqui em diante.
As mídias digitais internacionais do Liverpool sempre tiveram como mote gerar conteúdo em idioma local para facilitar a comunicação com os torcedores e admiradores do Liverpool no mundo, e assim ter um canal de conversação que possibilite a estes torcedores terem sua voz junto ao clube e se sentirem mais perto do Liverpool a despeito da distância física. Estes objetivos independem de jogadores, e há na verdade muitos mercados onde temos uma presença digital forte com índices de engajamento excelentes nos quais não temos nenhum jogador no grupo principal – por exemplo, Indonésia, Estados Unidos, Austrália e Tailândia. Embora a presença de jogadores no elenco facilite a criação de conteúdo voltado ao público do país, não depende-se disso para a subsistência destes canais. Acima de tudo, o intuito é abordar temas sobre o clube mais do que qualquer jogador, e manter este canal de comunicação e geração de conteúdo aberto com os fãs ao redor do mundo.
Hoje uma de suas funções é entender melhor o torcedor para desenvolver uma comunicação muito mais efetiva e de acordo com suas preferências. Quais insights que vocês já captaram a respeito dos fãs globais e também dos brasileiros?
A minha responsabilidade como Gerente de Inteligência de Marketing é reunir dados e informações advindos das mais diversas fontes, e cruzá-los para identificar padrões, projetar tendências e auxiliar nas decisões tomadas pelas diversas áreas do clube, especialmente decisões comerciais. Há, por exemplo, uma tendência de aproximação do público asiático, muito por causa do longo histórico de popularidade da Premier League em países como Índia, Vietnã, Indonésia e diversos outros. Isto cria oportunidades para o Liverpool expandir a sua presença nestes territórios, seja através do número de torcedores que acompanham e assistem os jogos do clube, da compra de produtos oficiais, do número de seguidores nas redes sociais ou do estabelecimento de patrocínios comerciais com empresas locais. O Liverpool já tem lojas online em diversas línguas no mercado asiático, com distribuição local e venda na moeda do país para facilitar o consumo. Além disso, já realizamos algumas edições do “LFC World” na Ásia em parceria com nosso patrocinador master Standard Chartered, que basicamente consiste em levar um pouquinho do Anfield Stadium e do Liverpool para estes mercados por alguns dias para proporcionar aos torcedores assistirem a partidas do clube como se estivessem no estádio, comprarem produtos e tirarem fotos com algumas das lendas vivas do clube. Todas estas iniciativas são retroalimentadas na nossa base de dados, e assim cada vez mais coletamos dados para análise. O Brasil, por ser um país de longa tradição no futebol, ter clubes fortes e ser distante, dificulta a atração de investimentos em um clube estrangeiro. É possível que este cenário mude no futuro com todos os investimentos nos meios digitais e desenvolvimento tecnológico, mas hoje em dia eu diria que a penetração no mercado brasileiro ainda é superficial.
O Big Data é constantemente colocado como tendência em todo início de ano. No Brasil, raríssimos são os trabalhos neste sentido, quando feitos, baseiam-se em canais com pouca aderência e retorno. Neste sentido, como é feito o trabalho de mapear o torcedor indo muito além de sua localização, idade, gênero e afins?
A coleta e análise de dados em grandes volumes são fundamentais para o Liverpool e grande parte do clubes europeus para a melhoria dos produtos e serviços fornecidos ao torcedor e um melhor atendimento a eles enquanto consumidores, sejam dados demográficos, financeiros ou comportamentais. É possível, por exemplo, estabelecer categorias diferentes de torcedores baseadas nos seus padrões de consumo e engajamento com o clube – a presença no estádio em dias de jogos, a compra de produtos oficiais do clube, o recebimento e leitura dos e-mails do clube, vídeos assistidos, conteúdo compartilhado nas redes sociais, visita ao site oficial e assim por diante. Todos estes são sinais que são processados e cruzados para traçar o perfil dos torcedores, combinados com localização, gênero e idade a fim de refinar as comunicações e os produtos e serviços fornecidos. Ainda há muito por fazer na área de Big Data, mas já demos o primeiro passo e estamos caminhando nesta direção que vejo como irreversível. Para manter a competitividade comercial de um clube de futebol, não basta o dinheiro da TV, é preciso trabalhar cada vez mais outras oportunidades a fim de se diferenciar neste mercado.
Hoje a China é um mercado prioritário para os gigantes da Europa. Como se dá o relacionamento por lá uma vez que as redes sociais, digamos, tradicionais, são bloqueadas por lá? Há alguma característica muito marcante em relação aos demais?
Como sabemos, o futebol está em alta no mercado chinês, com incentivo do governo e alto investimento de clubes da liga chinesa em jogadores de nome no mercado internacional. A oportunidade é gigante, pois se trata de um país com mais de um bilhão de pessoas onde o futebol começa a tomar uma proporção que até então não existia. Sendo assim, dentro da linha de ser um clube forte e competitivo no cenário internacional, não poderíamos ficar para trás no que tange o mercado chinês. Embora não haja a utilização das redes sociais tradicionais como Facebook e Twitter no país, há outras mídias sociais muito populares na China nas quais já temos presença há alguns anos, como é o caso do Sina Weibo e, mais recentemente, do Wechat. Além disso, possuímos um site oficial em chinês tradicional (http://cn.liverpoolfc.com) além de uma parceria com provedores locais para a venda de produtos oficiais do clube na China. Também vale mencionar que já estivemos na China há alguns anos durante a pré-temporada, o que ajuda muito na expansão da marca do clube dentro do país. Talvez a característica mais marcante do mercado chinês seja justamente a dificuldade de se conseguir mais dados e informações a respeito dos fãs e consumidores, mas inegavelmente é um país que aos poucos está se abrindo para o mundo, e ter essa presença desde já vai nos ajudar a aproveitar estas oportunidades que inegavelmente se desenvolverão nos próximos anos.
O Liverpool contratou recentemente um profissional para estabelecer um diálogo direto com grupos de apoio. Aliado a isso, ouvirá seus torcedores para definir a precificação dos ingressos da próxima temporada. É uma tendência irreversivel que os apoiantes tenham participação direta na tomada de decisão das equipes? Quais indicadores apontam satisfação/insatisfação para que possam ser trabalhados posteriormente?
Dentro do Liverpool temos o orgulho de dizer que somos “The world’s greatest football family” (a maior família do futebol mundial). Todos são bem-vindos a interagir com o clube e participar do nosso dia-a-dia, sejam curiosos ou fanáticos por futebol e pelo Liverpool. Criar uma experiência única para os fãs e admiradores do clube e colocar o torcedor no centro de tudo o que fazemos é um de nossos principal norteadores, e para isso estamos implementando diversas iniciativas como a contratação do nosso porta-voz oficial. Mais recentemente, nossa área de pesquisa, com a qual trabalho bastante, implementou um fórum oficial do clube, com participação voluntária de torcedores e admiradores de todos os perfis e parte do mundo, com os quais nos comunicaremos regularmente para perguntar suas opiniões e visões sobre os mais diversos temas relacionados ao clube, que nos fornece um material muito rico e nos aponta quais são as satisfações e desejos dos torcedores, seja nos dias de jogos, seja na interação com o clube através dos canais digitais ou quaisquer outros pontos de contato com o Liverpool. Como a competitividade no futebol europeu é muito grande, não podemos achar que seremos bem sucedidos apenas por sermos um clube tradicional e vitorioso, é preciso trabalhar para alcançar a eficiência operacional e a excelência comercial, atrair mais torcedores e assim criar condições favoráveis para que o futebol possa desempenhar seu trabalho da melhor maneira possível para alcançarmos o sucesso dentro de campo, principal objetivo do clube de futebol.