Certa vez conversando com um investidor americano sobre nossa empresa, recebi uma pergunta que sempre carrego comigo: What do you stand for?
A melhor forma de traduzir isso é qual a missão ou propósito da sua empresa? Qual a causa que ela apoia/defende? É daí que vem a alma do seu negócio – a chama que arde sem se ver e é a força motora para que todos os dias a empresa evolua (ou não). É a partir do propósito que surge a identidade, e a partir da identidade vem a filosofia. O conjunto de todos esses elementos sintetiza a cultura de uma empresa que, na prática, é o sistema operacional que deve reger todas as ações da pessoa jurídica e de todos os colaboradores que formam essa personalidade abstrata.
Trazendo essa introdução para a realidade do futebol brasileiro, vejo a falta de cultura organizacional como um dos principais pontos de estrangulamento hoje existentes em um mercado que deveria ser muito maior do que de fato é. Todos que torcem, consomem e acompanham futebol sabem da sua relevância para o país e seu contexto social, mas será que os próprios Clubes, protagonistas deste mercado, sabem qual o seu propósito, qual a sua filosofia e como operam? Será que os Clubes brasileiros em algum momento se preocupam em construir uma cultura resiliente e consistente que perdure no tempo?
A resposta é tão direta quanto a pergunta: não. O modelo associativo historicamente nos impõe gestões imediatistas, orientadas para o curto-prazo dos mandatos presidenciais e para os resultados efêmeros. Ou seja, até hoje não houve incentivos para que surgissem Clubes com filosofias claras e culturas publicamente reconhecidas. Não temos no futebol brasileiro uma Ambev – um Clube para o qual olhemos e falemos “poxa, ali o foco é entrega de meta, de resultado, mesmo que isso signifique uma qualidade menor no produto final as vezes”.
É claro que o modelo associativo e boas culturas organizacionais não são elementos mutuamente excludentes e em momentos pontuais da história surgiram alguns exemplos que começaram a trilhar esse rumo, mas que se perderam por conta do cinismo do modelo associativo e da necessidade de interromper trabalhos para dar justificativas ao público de que algo enérgico está sendo feito (melhor exemplo – demissões de técnicos e outros profissionais). Me veem à mente o Corinthians entre 2008 e 2012, com uma cultura que se refletia nas ações de diretoria, atletas, torcedores e que resultou no melhor período esportivo da história do Clube. Da mesma maneira, o São Paulo do início dos anos 90 com a continuidade de Telê Santana e o atual Palmeiras que, desde a gestão de Paulo Nobre, goza de estabilidade política e de uma metodologia de trabalho que foi mantida e hoje é potencializada por Abel Ferreira.

Portanto, num mundo em que os Clubes comecem a se tornar empresas como estamos vendo acontecer, me volta esse questionamento – qual o propósito dos Clubes? Qual o impacto que eles terão individualmente na mudança estrutural do futebol brasileiro? Este é mais um desafio dos Ronaldos, 777s e Textors – não apenas adquirir o legado de instituições seculares, mas também entender como a partir desse contexto, poderão criar novas culturas empresariais que permitam a esses Clubes construírem projetos consistentes, duradouros e bem-sucedidos.
Se olharmos as grandes empresas do mundo hoje, algo que todas têm em comum é o alinhamento estratégico, o entendimento dos valores e dos rumos do negócio – o famoso “as pessoas levantam da cama na segunda feira sabendo o que precisam fazer e porque precisam fazer aquilo”. A partir da mudança no modelo de gestão, minha expectativa é que os Clubes passem mais tempo pensando nisso, a fim de garantir que todos os colaboradores, desde o administrativo até o craque camisa 10, entendam o que o Clube stands for.
Esse é um passo menos abordado do que o potencial financeiro e de evolução de governança que a migração para as SAFs pode apresentar. Porém, é tão fundamental quanto o dinheiro e os instrumentos jurídicos, pois sem um guidance claro e um sistema operacional que conduza o Clube em meio aos desafios do cotidiano, corremos o risco de continuar andando em círculos e não construir valor, individualmente e coletivamente, no longo-prazo.