*Por Bia Loducca
O ano é de Copa e o futebol feminino está novamente mais em pauta do que nunca. É sabido por todos que acompanham a modalidade que a entidade que comanda o futebol brasileiro demorou a iniciar movimentos de valorização da categoria, deixando de explorar todo o potencial do futebol feminino por motivos diversos.
A passos lentos, esse cenário demonstra sinais de evolução puxado principalmente pela obrigatoriedade imposta pela CBF de times femininos em clubes da série A, medida essa que tende a se amplificar aos clubes das quatro divisões do futebol brasileiro, até 2027, confirmado por Ednaldo Rodrigues, Presidente da CBF.
Porém, apesar dos avanços recentes, os desafios para o desenvolvimento da modalidade no Brasil seguem sendo muitos e passam principalmente pela instabilidade dos projetos. Além da implementação de regras que impulsionam a modalidade, é importante também ter atenção em como essas regras são seguidas e se de fato estão trazendo o impacto esperado.
Em caso recente que ilustra esse cenário, temos o exemplo do Ceará. Após um 2022 de sucesso e conquista do acesso m elite do futebol feminino brasileiro, o já modesto orçamento de 1% do total do clube foi drasticamente enxugado com o rebaixamento do time masculino para a série B.

Esportivamente, seguindo a medida atual da CBF, o clube não precisaria de fato sequer manter o time feminino em 2023, porém teria que arcar com as consequências do regulamento: ficar dois anos impedido de jogar competições da modalidade chanceladas pela CBF e quando voltasse, em 2025, teria que ser campeão cearense feminino para ganhar vaga no Brasileiro A3. A solução encontrada foi a clássica: sucatear o projeto. O futebol feminino é a nova regra, mas segue sendo o bode expiatório da má gestão.
De um ponto de vista de mercado, com comissão técnica e time desmanchados, a continuidade do projeto feminino do Ceará é impactada e consequentemente, aumenta-se o risco de quem investe. O maior risco afugenta patrocinadores que, embora apostem no potencial mercadológico da modalidade, precisam justificar o investimento e garantir a exposição de sua marca atrelada a um projeto no mínimo estável, e no melhor dos casos, vitorioso. Contudo, teria a obrigatoriedade de time feminino em todas as séries do futebol brasileiro evitado esse desmanche? Não. A receita é bem mais complexa do que parece.
Falando em projetos estáveis e vitoriosos, vemos o case de sucesso da modalidade na figura do Corinthians, um clube que investe de forma sistemática e consistente no futebol feminino há anos e os resultados, além de esportivos, já se mostram financeiros (em financeiro lê-se também no inestimável ganho em valor de marca).
A final do último Campeonato Brasileiro entre Corinthians e Internacional marcou o maior público da história do futebol feminino no Brasil com 41.070 torcedores presentes na Neo Química Arena e uma renda de R$900.981,00 aos cofres corintianos, valor este superior em arrecadação a 69,25% dos jogos do Brasileirão Masculino.

Retomo uma fala da Tamires após a conquista recente do bicampeonato da Supercopa, na qual ela acertadamente cobrou um posicionamento responsável dos clubes quanto aos seus times femininos:
O Corinthians ganha título porque o Corinthians é isso aqui. O Duilio vem e coloca a gente pra jogar na Arena, a torcida vem e lota os estádios. Então nada do que a gente está conquistando hoje é simplesmente por a gente ter talento, é porque a gente recebe esse apoio todo do clube.
Se eu pudesse completar esse já tão potente pensamento da atleta diria que com a casa cheia e a experiência de jogo bem feita para o torcedor do futebol feminino – enxergando todas as particularidades desse público – o mercado vê a oportunidade, o torcedor responde ao incentivo e consome, o patrocinador vê retorno e reinveste, e a conta começa a fechar. A mensagem que fica é a de que existe um ciclo virtuoso que sustenta essa (e qualquer outra) modalidade, ciclo este que não pode ser interrompido e não pode estar sujeito m má gestão.
Entretanto, quando se fala de Corinthians é importante pontuar que a realidade do clube é muito distante da realidade dos demais clubes femininos brasileiros – a receita de bolo não se aplica em todos os quatro cantos do país. Esse ciclo virtuoso citado anteriormente, além de envolver inúmeras esferas ademais das citadas acima, precisa considerar também as particularidades de um país do tamanho de um continente e contar com uma potente rede de transmissão e negociação de direitos.
A Rede Globo, pela primeira vez, vai transmitir em TV aberta e fechada os torneios e amistosos da Seleção Feminina e também a Copa do Mundo 2023, que neste ano contará com 32 seleções disputando o torneio.

Apesar de também ter conquistado pela primeira vez um espaço na grade da maior emissora do país com a transmissão do Campeonato Brasileiro Feminino, a Globo admitiu a possibilidade de dar espaço em TV aberta apenas m fase eliminatória do torneio.
Caso isso se confirme, seria uma diminuição drástica em relação ms 22 partidas exibidas em 2022 pela Band, algo que afeta diretamente o potencial midiático da modalidade.
Avistando esse gap de oportunidade, marcas estão apostando em novas mecânicas para o tradicional modelo de transmissão, como é o caso da parceria Centauro/Grupo SBF x Paulistão Feminino, colocando a marca como a primeira a deter os direitos de transmissão de um campeonato de futebol brasileiro, além do patrocínio tradicional. O acordo teve um de seus pilares na abertura de sinal para que os clubes retransmitissem os jogos, em uma iniciativa acertada para potencializar ainda mais a exposição da marca.
O caminho para a modalidade é claro – e precisa de soluções claras e independentes do futebol masculino – mas não é um só. As variáveis são muitas, e as oportunidades para quem souber trabalhar o produto futebol feminino, são ainda maiores.
Se em 2022 o Brasil parou para acompanhar a seleção masculina na Copa do Mundo do Catar, agora a bola estará com as mulheres. Os holofotes mais uma vez estarão no futebol feminino em 2023, tanto para mostrarem avanços, como para botar a luz necessária nos abismos de desenvolvimento da modalidade.
*Bia Loducca é Head de Comunicação da OutField, especialista em Gestão Esportiva pela FGV/FIFA/CIES e parte do programa de Lideranças Femininas no Futebol da Federação Paulista de Futebol.