
Há pouco mais de um ano, em entrevista coletiva logo após eliminação do Milwaukee Bucks na primeira rodada dos playoffs da NBA, Giannis Antetokounmpo viralizou ao relativizar a importância das vitórias no esporte profissional. Campeões em 2021, os Bucks haviam fracassado em 2022 e chegavam aos playoffs de 2023 como equipe melhor ranqueada no Leste, trazendo consigo uma expectativa de que, pela segunda vez em três anos, se sagrassem campeões do maior campeonato de basquete do mundo.
Apesar das expectativas, no entanto, a equipe de Milwaukee perdeu a série para o Miami Heat por 4 a 1 e deixou a temporada novamente com uma sensação de que o bom trabalho nos meses anteriores não valera de nada. Dada a nova eliminação, um dos jornalistas na coletiva questionou o ala-pivô grego sobre a temporada ser considerada ou não um fracasso. A pergunta levou Antetokounmpo a uma reflexão sobre a importância de entender as temporadas como parte de um processo mais longo e de valorizar aspectos que não o resultado final durante a análise sobre o sucesso ou não de uma temporada.
Nessa última semana, uma entrevista em tom parecido voltou a levantar o assunto, dessa vez na Eurocopa. Após a eliminação belga para a França nas oitavas de final, Kevin de Bruyne foi questionado sobre o porquê de a chamada “geração de ouro” belga encerrar seu ciclo sem um único título. O meia belga, então, levantou um fato que parece passar despercebido por boa parte das pessoas que acompanham e analisam esportes: não se joga sozinho, e a Bélgica, ao longo dos últimos anos, enfrentou seleções com equipes igualmente históricas.
E se o que poderíamos chamar de “resultadismo” se mostra pertinente em qualquer canto do mundo, no futebol brasileiro ele é ainda mais importante. O futebol brasileiro se difere das ligas americanas, por exemplo, no fato de que más campanhas impõem fardos muito maiores aos times brasileiros do que às franquias dos Estados Unidos, em virtude das regras de classificações e rebaixamentos presentes em praticamente todas as ligas do país. Se nos EUA as franquias conseguem aproveitar temporadas ruins para trabalhar em suas reestruturações e garantir escolhas melhores em drafts futuros, no Brasil as campanhas ruins não legam muita coisa além de frustrações em campo, vendas forçadas de atletas e menos dinheiro em caixa para as temporadas seguintes.
Além disso, o futebol nacional se difere das principais ligas de futebol ao redor do mundo (especialmente das europeias) em razão do número inigualável de equipes grandes e competitivas. Em nenhuma outra liga do mundo se encontram mais de dez times com torcidas nacionais, além de possivelmente uma outra dezena de grandes potências regionais. É um cenário único capaz de, em seu caso mais extremo, levar o atual campeão continental a uma preocupação realista de rebaixamento no ano seguinte, como ocorre atualmente com o Fluminense.
Em outras palavras, o Brasil reúne as condições perfeitas para que não só praticamente todos os times estejam sujeitos a grandes oscilações, mas também que essas grandes oscilações tragam efeitos práticos de magnitude igualmente relevante. Sob esse cenário, uma pessoa razoável esperaria de torcedores um comportamento de maior compreensão frente às adversidades – seja porque essas adversidades são absolutamente naturais em um país com tantas potências de tamanho parecido, seja porque as consequências de não saber enfrentá-las são demasiadamente pesadas.
Frustrantemente, essa razoabilidade por parte dos torcedores muito raramente é observada, de forma que o país não consegue consolidar uma cultura menos resultadista. Times insistem em demitir treinadores após curtas sequências de maus resultados, estádios veem suas taxas de ocupação variarem drasticamente de acordo com resultados recentes, e projetos de longo prazo no país se tornam praticamente inexistentes. Ainda assim, em meio a esse cenário caótico e de raros bons exemplos, o ano de 2024 apresentou ao menos uma esperança de que a cultura das arquibancadas brasileiras mude para melhor, valorizando mais o amor à camiseta do que os resultados, especialmente de curto prazo.
Acumulando quatro rebaixamentos em menos de cinco anos, o Paraná Clube passou de disputar a Série A do Campeonato Brasileiro em 2018 para lutar pelo acesso na Segunda Divisão do Campeonato Paranaense em 2023. Com o insucesso da última temporada, o clube passou por um hiato de mais de dez meses sem jogos, período no qual seu futuro passou a ser questionado. A solução, no entanto, veio em grande estilo, com o Paraná fazendo o melhor trabalho de marketing esportivo no país em 2024, na minha opinião.
Impossibilitado de vender qualquer coisa relacionada a seu desempenho dentro de campo, o marketing paranista decidiu vender o amor à camisa, a necessidade de união por parte dos torcedores para que o clube não morresse. O lançamento da campanha relacionada à segunda divisão estadual, chamada #ChoquePRC, envolveu um vídeo em que o clube é tratado como um paciente à beira da morte, sendo o apoio do torcedor apontado como o remédio para que o clube voltasse a respirar.
A campanha apostou alto, e o clube levou seus dois primeiros jogos na competição para os estádios dos rivais na cidade, que possuem capacidade de público significativamente maior. A mudança era um sinal claro de que, ainda que o clube estivesse mal há anos, sua torcida ainda estava em condições de lotar os maiores estádios da cidade. E assim o fez, colocando quase 37 mil pessoas na Baixada para seu primeiro jogo em casa na temporada, para uma renda de pouco mais que 1.8 milhões de reais.
Em sua segunda partida, no Couto Pereira, o clube levou mais que 24 mil pessoas, para uma renda superior a 900 mil reais, de forma que a campanha paranista na primeira fase do Paranaense terminou com uma média de público de 20.818 pessoas por jogo, superior à média de metade dos times da primeira divisão no atual Campeonato Brasileiro.
No próximo domingo, o Paraná Clube joga a partida de volta das semifinais da segunda divisão estadual, e precisa de uma vitória simples contra o Patriotas para alcançar a final e o acesso à primeira divisão. Um desavisado poderia argumentar, então, que o clube joga por sua vida no final de semana, uma vez que tenta evitar um novo hiato de quase um ano sem jogos. Já eu defendo que, baseado no comportamento da torcida nesses últimos dois meses, o Paraná viverá, independentemente do que acontecer no domingo, pois quem tem torcida tem tudo.
