A rivalidade entre Brasil e Alemanha é marcada por momentos inesquecíveis no mundo do esporte, desde a final Olímpica de 2016, no Maracanã, até os icônicos 7×1 na Copa do Mundo de 2014. No entanto, essa coluna vai muito além das disputas. Quando se trata de integrar esporte e educação, Brasil e Alemanha seguem caminhos distintos, cada um com suas próprias estratégias, desafios e sucessos.
Nos episódios anteriores, exploramos como diferentes nações integram esporte e educação para formar campeões olímpicos. No primeiro episódio, apresentamos uma visão geral das potências olímpicas, enquanto no segundo episódio analisamos detalhadamente as abordagens dos EUA e da China.
Agora, vamos focar em duas nações que têm deixado uma marca significativa no cenário olímpico do século 21: Brasil e Alemanha. Juntos, os países somam 297 medalhas, com o Brasil tendo conquistado 84 e a Alemanha, 213.
Alemanha: Estrutura e Eficiência
Nos anos 2000, surgiram as Eliteschulen des Sports e Eliteschulen des Fußballs, escolas especializadas no desenvolvimento do talento esportivo dos alunos, oferecendo simultaneamente um forte programa acadêmico. Mais de 11.500 jovens estão atualmente em 43 dessas escolas, vinculadas aos centros de treinamento Deutscher Olympischer Sportbund (DOSB) e DFB. Dos 392 membros da equipe olímpica alemã em 2012, 104 eram alunos dessas escolas, representando 34,9% dos atletas que ganharam medalhas em Londres.
Em 2022 tive a oportunidade de representar o Brasil na Alemanha por meio da Esporte Educa, minha startup focada em conciliar esporte e educação. Fomos reconhecidos como a maior inovação no mercado de esporte no país. Durante essa visita em Munique, conheci de perto as instalações das Eliteschulen des Sports e observei como essas escolas combinam excelência acadêmica com treinamento esportivo de alta qualidade, servindo de exemplo para iniciativas que podemos implementar no Brasil.
Essas escolas proporcionam um ambiente no qual os estudantes podem se dedicar intensivamente tanto ao esporte quanto aos estudos. Em 2016, 43% dos atletas que competiram pelos times olímpicos alemães foram ex-alunos dessas escolas. Além disso, o governo alemão investe substancialmente na infraestrutura esportiva e na formação de treinadores qualificados, garantindo que os atletas recebam suporte de alta qualidade durante sua educação e treinamento.
Para ilustrar o que eu estou dizendo, vou contar a história do meia-atacante alemão Kai Havertz, atualmente no Arsenal. Ele marcou o gol do título no bicampeonato europeu do Chelsea aos 21 anos, na vitória por 1 a 0 contra o Manchester City, no Estádio do Dragão.
A história de Havertz na Champions League vai além do gol do título. Em 2017, ele perdeu um jogo das oitavas de final da competição por priorizar seus estudos. Na época, com 17 anos, Havertz defendia o Bayer 04 Leverkusen, que enfrentaria o Atlético de Madrid. Tanto o jogador quanto o clube entenderam que uma boa preparação além do campo era essencial para o sucesso. Kai teve folga nas terças, quartas e quintas-feiras do clube da Bundesliga para estudar para seus exames.
Vale lembrar que esse movimento de escolas de esporte, como as Eliteschulen des Sports e Eliteschulen des Fußballs, que são especializadas no desenvolvimento do talento esportivo dos alunos, é uma união do DOSB (Deutscher Olympischer Sportbund) com a DFB (Deutscher Fußball-Bund). Esse modelo é o equivalente ao COB e à CBF realizarem um movimento conjunto com o governo brasileiro para implantar um sistema unificado de escolas com vínculo a metodologias de esporte no país, abrangendo diversas modalidades, mesmo que cada uma tenha sua própria administração. Imagine como seria se essas entidades trabalhassem em conjunto para redefinirem a relação do esporte com a educação?
Embora o Brasil esteja apenas começando nesse quesito, existe um movimento interessante por parte dos atores do ecossistema global esportivo para integrar esporte e educação.
Brasil: Desafios e Potencial
Apesar do trabalho notável do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que nos colocou como a maior nação da América do Sul e a terceira maior potência das Américas (atrás apenas dos EUA e Canadá), ainda enfrentamos dificuldades na conciliação entre estudo e esporte. Muitos atletas precisam escolher entre um caminho ou outro, com poucas opções tanto no esporte quanto na educação. Apenas 1% dos jovens têm acesso a oportunidades esportivas, enquanto 30 milhões deles não têm acesso a uma educação de qualidade.
Apesar de acreditar no potencial do COB e suas confederações, ou até mesmo da CBF, para fazerem muito mais pela educação dos nossos atletas, enfrentamos um desafio estrutural educacional gigantesco. Esse problema não é causado pelas entidades esportivas e deveria ser responsabilidade do governo resolver, o que complica ainda mais a tarefa de integrar esporte e educação de forma eficaz.
O COB tem uma parceria estratégica com a universidade Estácio. A instituição oferece educação superior para os atletas, um avanço significativo que promove alternativas para os atletas em idade de ensino superior. No entanto, é importante lembrar que, antes de chegar ao ensino superior, existe a educação básica e o desenvolvimento de soft skills. Muitas vezes, devido à falta de estrutura familiar, esses jovens não adquirem essa base essencial, o que os impede de estarem preparados para o ensino superior.
O Bolsa Atleta é um programa do governo brasileiro que oferece apoio financeiro a atletas de alto rendimento e, apesar do nome, não está necessariamente associado a subsídios educacionais. Os valores variam conforme a categoria do atleta, desde nacional até internacional e olímpicas, podendo ir de R$925 a R$15 mil mensais. Os recursos do Bolsa Atleta podem ser utilizados para despesas com treinamentos, participação em competições, alimentação, transporte, saúde (incluindo médicos e fisioterapia), material esportivo e educação (cursos e/ou materiais didáticos). No entanto, educação é uma das últimas áreas em que os atletas acabam investindo essa verba, preferindo direcioná-la para fins esportivos e alimentação.
No Brasil, é comum observar que muitos jovens abandonam os estudos para se dedicarem integralmente aos treinos esportivos na esperança de prover sustento financeiro para suas famílias. No entanto, a competição por vagas em grandes clubes esportivos é acirrada, com muitos jovens disputando posições com atletas mais experientes. Além disso, existe o risco constante de lesões que podem comprometer seriamente suas carreiras.
Apenas 1% dos jovens aspirantes a atletas conseguem alcançar o status profissional e, entre esses, 82% ganham até o equivalente a um salário mínimo. Estatísticas alarmantes revelam que 78% dos atletas profissionais enfrentam problemas financeiros ou declaram falência após apenas três anos de aposentadoria. Cerca de 59% ficam sem contrato durante a temporada, o que muitas vezes os leva a buscar uma profissão secundária para garantir seu sustento.
É fundamental que, antes de pensarmos no ensino superior, foquemos no ensino básico. Se nossos atletas não tiverem uma boa base escolar, não conseguirão tomar boas decisões como atletas no futuro e nem mesmo acessar as oportunidades oferecidas pelas universidades. Atletas mais educados, no sentido literal da palavra, conseguem tomar melhores decisões e com mais rapidez, pois tiveram estímulos cognitivos durante sua formação que lhes proporcionam essa vantagem. Além disso, uma boa educação ajuda a formar melhores seres humanos para a sociedade, promovendo uma cidadania consciente e responsável. Atletas como Kamila e Júlia, encontraram nos Estados Unidos a oportunidade de viver esse sonho, onde conseguiram seguir tanto no esporte quanto na educação.
No Brasil, 44 milhões de crianças estão nas escolas públicas que, infelizmente, em sua maioria, não têm a melhor qualidade. No meu artigo “Educação: o único caminho para salvar o esporte e gerar impacto positivo nas próximas gerações”, abordo essa questão em detalhe e exploro como a educação pode ser a chave para um futuro melhor no esporte.
Compreendendo que a maioria dos atletas carece de apoio familiar para conciliar esporte e educação, é vital que clubes esportivos, marcas patrocinadoras, projetos sociais, startups e o governo desempenhem um papel essencial para auxiliar os jovens nessa jornada.
Ao não abordarmos adequadamente a educação dos atletas desde cedo, enfrentamos dificuldades semelhantes às que os atletas chineses de antigamente passavam, onde eram forçados a focar apenas no treinamento esportivo, deixando de lado a educação e enfrentando desafios significativos ao final de suas carreiras esportivas. Como resultado, não temos tantos ídolos do esporte como exemplos nacionais e frequentemente vemos atletas brasileiros, especialmente do futebol, em páginas policiais.
No quesito esporte e educação, o Brasil ainda enfrenta grandes desafios e, nesse aspecto, podemos dizer que levamos um “7×1”. No entanto, o potencial para evolução é imenso, especialmente com o trabalho notável do Comitê Olímpico do Brasil (COB) nos últimos anos, o movimento de profissionalização do futebol com as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) e, até mesmo, o surgimento da minha startup a Esporte Educa – primeira EduSportech do Brasil.
A Esporte Educa se destaca como um hub que oferece diversas soluções para as indústrias do esporte e da educação, utilizando a tecnologia como base para resolver problemas em escala. Em 2023, fomos reconhecidos com o Prêmio Sou do Esporte na categoria Tecnologia & Startups no Esporte, destacando nosso compromisso e impacto positivo no setor.
Além disso, a Federação Paulista de Futebol, com o trabalho de Mauro Silva, um ex-atleta e tetra campeão mundial que também priorizou os estudos, é um exemplo de como a educação pode caminhar lado a lado com o esporte. Iniciativas como essas mostram que, ao investir na formação integral dos atletas, podemos transformar a realidade brasileira. Também faço uma menção honrosa à minha querida amiga Ana Ratti, que tem levantado a importante pauta do estudo especificamente ao futebol, promovendo mais visibilidade para essa questão crucial.
Ao aprender com nossas experiências e investir continuamente em iniciativas que integrem esporte e educação, podemos transformar a realidade brasileira e formar cidadãos completos, prontos para competir e vencer em todas as áreas.
No próximo episódio, vamos explorar como Rússia e Grã Bretanha se destacam na integração entre esporte e educação com modelos únicos que refletem suas culturas e tradições. Até semana que vem!