Coluna

Esporte universitário americano precisa fazer parte de futuros projetos do COB

Resultados brasileiros nas Olimpíadas apontam problemas de formação em esportes como atletismo e natação, e ambiente universitário nos EUA se destaca como opção para o futuro

Esporte universitário americano precisa fazer parte de futuros projetos do COB

20 de agosto de 2024

8 minutos de Leitura

Marcelo Loureiro
Marcelo Loureiro
Mestre e doutorando em Gestão Esportiva pela Florida State University

Com o encerramento das últimas competições dos Jogos Olímpicos, é natural que se inicie uma discussão sobre o desempenho brasileiro, visando entender erros e acertos do país ao longo do último ciclo. Em Paris 2024, o Brasil se deparou com sua pior colocação no quadro de medalhas desde Londres 2012, encerrando os Jogos com menos ouros do que países de população muito menor e com menos condições financeiras e estruturais, como Uzbequistão e Quênia.

A frustração de torcedores, como de costume, levanta discussões sobre o que está sendo feito de errado e como o desempenho brasileiro pode ser melhorado no futuro, e esse artigo é minha tentativa de dar meus dois centavos de contribuição para o debate.

Antes de mais nada, é preciso entender que não existe uma resposta única para a questão, muito menos respostas simples. Estados Unidos e China, as duas grandes potências dos Jogos há pelo menos cinco edições, possuem programas olímpicos completamente distintos, que pouco se parecem também com os programas de outras potências esportivas, como Grã-Bretanha, Japão, Austrália e França. Ainda assim, é importante que o Brasil se alimente de ideias e lições desses países, e que saiba aproveitar os sistemas já estabelecidos em outros países para melhorar seu próprio ambiente esportivo e seus resultados em futuras Olimpíadas.

Nesse sentido, entendo que os Estados Unidos oferecem uma possível solução para uma das principais deficiências do programa olímpico brasileiro. Muito se comentou ao longo das duas últimas semanas sobre como o Brasil falha em ser competitivo nas modalidades que mais distribuem medalhas, em especial atletismo e natação, e o esporte universitário americano me parece a melhor solução para o país enfrentar o problema.

Para entender melhor essa questão, é importante ter em mente que os Jogos Olímpicos são a última etapa de um longo funil, que começa na iniciação esportiva ainda na infância. Podemos tratar esse desenvolvimento esportivo como um funil pelo fato de que, a cada etapa, menos pessoas possuem a competência, determinação e desejo para avançar para a etapa seguinte. Dessa forma, milhões de crianças são iniciadas esportivamente no Brasil a cada ano, resultando em poucas centenas de atletas olímpicos a cada ciclo e não muito mais do que duas dezenas de medalhas, com quebras a cada etapa do funil.

De maneira geral, podemos dizer que poucas das crianças que testam um esporte pela primeira vez se matriculam em escolas da modalidade; poucas das crianças inscritas nessas escolas acabam treinando e competindo pelas categorias de base de clubes; poucas dessas crianças nas categorias de base se profissionalizam; poucos desses esportistas profissionais conseguem competir nas Olimpíadas; e, por fim, poucos desses atletas olímpicos conseguem ganhar medalhas. O quadro final de medalhas, nesse sentido, é só o reflexo de todo o trabalho feito ao longo de todas as etapas desse funil ao longo dos anos anteriores, e o trabalho do comitê olímpico é garantir não apenas que mais crianças entrem nesse funil, mas também que mais pessoas consigam evoluir ao longo desse processo, se assim desejarem.

O que me leva a mencionar o esporte universitário dos Estados Unidos como uma possível solução para o esporte olímpico brasileiro é o fato de que ele não apenas contribui com diversas etapas do funil, mas também adiciona uma importante etapa entre as categorias de base e a profissionalização. Um adolescente progredindo nas categorias de base de esportes como atletismo e natação no Brasil, ao se aproximar da maioridade, precisa tomar uma importante decisão com relação a sua carreira. As duas opções mais óbvias são seguir o caminho da profissionalização, ou então desistir e buscar uma carreira mais viável financeiramente.

Todo esse cenário encurta muito o período que um atleta em formação tem para apresentar resultados, e aumenta significativamente seus riscos. 18 ou 20 anos de idade está longe de representar o auge da carreira de um atleta (e é bastante comum vermos atletas despontando com uma idade maior), mas o cenário esportivo brasileiro não permite que esses atletas continuem tentando por mais tempo. Pelo contrário, cada ano investido em se tornar um atleta profissional aumenta a dificuldade de se estabilizar em uma nova carreira no futuro, caso esse atleta fracasse nesse processo de profissionalização.

O esporte universitário americano resolve essas duas questões, e esse é o ponto principal desse artigo. Competir por uma universidade americana permite ao atleta em formação estender seu período de treinamentos por pelo menos mais quatro ou cinco anos, tirando proveito de estruturas e treinadores de elite para seguir buscando uma carreira profissional no esporte. Ainda mais importante, o esporte universitário praticamente zera o risco de se continuar tentando, garantindo um preparo profissional para qualquer outra carreira que o potencial atleta venha a ter no futuro.

Vou usar uma medalhista de bronze pelo Brasil em Paris para tentar deixar essa questão mais clara. Júlia Bergmann, do time de voleibol feminino brasileiro, decidiu em 2018 seguir sua carreira no voleibol universitário, atuando por Georgia Tech. Caso decidisse por seguir sua carreira profissionalmente, ela passaria por um período de “tudo ou nada” nos anos seguintes. Ainda que o voleibol profissional apresente um ambiente muito melhor do que a maioria dos esportes, ela ainda assim teria não mais do que três ou quatro anos para se consolidar antes de ter que começar a pensar em outras opções de carreira.

Foto: FIVB

Atuando por Georgia Tech, por outro lado, ela conseguiu se desenvolver em um ambiente esportivo bastante competitivo, ao passo em que, no pior dos cenários, conseguiria seguir uma carreira diferente com um diploma em Física em uma das melhores universidades do mundo na área. Dado seu impressionante desenvolvimento no esporte universitário americano, Júlia optou por não concluir seus créditos em Física, obtendo seu diploma em Estudos Interculturais e seguindo sua carreira profissional na Turquia a partir de 2023. A questão é que atuar por Georgia Tech permitiu a ela explorar os dois caminhos em paralelo, diluindo de forma significativa seus riscos e melhorando suas perspectivas profissionais dentro e fora do esporte.

E se Júlia Bergmann aparece como um exemplo raro de sucesso de brasileiros no esporte universitário, entre os americanos esses exemplos são abundantes. Atletas com passagem pelo esporte universitário lideraram os Estados Unidos ao topo do quadro de medalhas em todas as edições desde Londres 2012. Exemplo disso é que Stanford, uma das principais universidades do mundo, liderou o ranking de medalhas entre as universidades americanas com incríveis doze ouros, tendo em Katie Ledecky seu principal nome. Além de Stanford, ao menos outras nove universidades americanas somaram pelo menos três ouros e dez medalhas olímpicas em Paris, mostrando um ambiente esportivo robusto tanto para americanos quanto para estrangeiros.

Se pensarmos em Ledecky, sua carreira esportiva deslanchou e ela já coleciona quatorze medalhas olímpicas, sendo nove ouros. Caso tivesse ido por outro caminho, no pior dos cenários, ela hoje conseguiria buscar uma carreira de sucesso em outra área com um diploma de uma das cinco maiores universidades do mundo. E não tento defender a ideia de que esse é o único caminho possível: atletas como Michael Phelps, Simone Biles e Noah Lyles não competiram no esporte universitário do país, seguindo direto para suas carreiras profissionais. Katie Ledecky (natação, Stanford), Rai Benjamin (atletismo, USC) e Gabrielle Thomas (atletismo, Harvard), por outro lado, são exemplos de atletas que conquistaram múltiplas medalhas de ouro em Paris e que aproveitaram esse caminho.

O ponto, portanto, é que as universidades americanas oferecem uma opção mais segura, que pode ajudar a criar uma robustez maior nos esportes olímpicos brasileiros. Acompanhando as mais diversas modalidades nos Estados Unidos, vejo pouquíssima participação de brasileiros. Minha esperança é de que, nos próximos ciclos olímpicos, entidades como a CBAt e a CBDA atuem de forma mais estruturada para criar oportunidades para atletas brasileiros competirem no país com o melhor ambiente esportivo do mundo. No pior cenário, em termos esportivos, isso não resultaria em medalhas olímpicas, mas abriria novas possibilidades de carreiras para os atletas em formação, agora com diplomas de algumas das melhores universidades do mundo. No melhor cenário, isso ajudaria o Brasil a, num futuro não tão distante, lutar pelo top-10 no quadro de medalhas pela primeira vez na história.

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