Por Pedro Oliveira – Sócio-fundador da OutField
No momento em que passamos por uma grande transformação no esporte brasileiro, representada principalmente pelo futebol com as SAFs e a formação de blocos comerciais como Libra e LFU, a chegada da NFL é simbólica para ajudar a comprovar o potencial que o mercado local possui e reforçar que temos sim um consumidor ávido por produtos/ofertas de qualidade por aqui.
Vemos essa validação da demanda reprimida também em outros indicadores, como por exemplo, os aumentos nas médias de público do futebol brasileiro (2023 foi o ano recorde de público no Brasileirão, por exemplo) e no volume total de sócios torcedores ativos.
Portanto, toda a indústria esportiva brasileira tem muito a aprender com a passagem da NFL por aqui, desde a operacionalização de um evento AAA, até a relação com a mídia, as ativações de patrocinadores e o oferecimento de diversos pacotes de experiências para os torcedores que foram à Neo Química Arena na última sexta-feira.
Sempre repito que a receita de bolo do esporte americano está logo ali pra nos espelharmos. E é claro que não precisamos copiar à risca tudo que eles fazem por lá, mas temos sim que entender como a lógica da NFL trabalhar o seu produto faz com que seu plano de negócios resulte na Liga esportiva mais valiosa do mundo, com USD 20 bilhões em receitas na temporada 2023/24 e representando 30 das 50 organizações esportivas mais valiosas do mundo, tendo o Dallas Cowboys como a equipe esportiva mais valiosa do mundo – avaliado em USD 10 bilhões.
Dentro deste contexto, um dos mantras mais importantes trabalhados e exaustivamente debatidos pela NFL é o “League First Mentality“, ou seja, a Liga sempre em primeiro lugar. Nas ligas americanas, via de regra, as franquias são sócias da Liga e seus donos contratam um executivo (o Comissário) para gerir a empresa e garantir que todos sejam competidores dentro das quatro linhas, mas sobretudo sejam parceiros de negócios fora dos embates esportivos.
Ou seja, apesar do espetáculo chamativo, dos shows do intervalo, das celebridades e dos inúmeros patrocinadores, o ingrediente secreto da NFL está na unificação dos times para formatar e manter um produto que funcione pra todo mundo, incluindo os donos, os atletas e os clientes (sejam eles torcedores, patrocinadores ou emissoras).
Roger Goodell, o comissário da NFL, tem um mandato claro para pensar justamente nesses quatro principais públicos:
- Atletas: são os “fornecedores” da Liga, ao “emprestar” seus talentos para criar um produto único. Hoje são representados por uma entidade de classe (a NFL Players Association) que negocia seu acordo coletivo perante o comissário. Atualmente, o acordo prevê que os atletas acessem 48% das receitas totais da Liga. É a partir desse coeficiente que é calculado o teto salarial da NFL, portanto quanto maior o bolo a ser dividido, maiores serão os salários dos atletas;
- Torcedores: seja nos EUA ou no mundo todo, a NFL vem aprimorando ao extremo a experiência de dia de jogo e a Liga continuamente reforça para as franquias a necessidade de ter equipamentos (estádios) modernos que possam receber, ao menos, 60k torcedores para viverem o futebol americano. Mais do que isso, o calendário de eventos anuais da Liga, incluindo Combine, Draft, Free Agency, Training Camps e Pré Temporada é uma forma de, em meio à escassez em cima da qual é construída a NFL, os fãs sempre tenham o que consumir;
- Patrocinadores: são os grandes beneficiados pela associação das suas marcas à relevância da Liga que conseguiu construir relacionamentos longevos e que os conectam profundamente à NFL. Um exemplo interessante disso é a Microsoft que tem na presença do seu tablet Surface uma das melhores estratégias de product placement no mundo todo. Você já reparou nos atletas na beirada do campo, olhando imagens do jogo num tablet? Pois é..
- Emissoras: o produto é dividido em diferentes pacotes, acessados por todas as principais emissoras televisivas dos EUA, incluindo Disney (ABC/ESPN), NBC, CBS e Fox. Ou seja, todas investem quase que igualitariamente para valorizar o produto, pois essa lógica beneficia a todos. Além disso, na última década, ao invés de “combater” o streaming, a NFL entendeu como utilizar as novas plataformas e as empresas de tecnologia a favor do seu negócio e do consumidor final. Neste contexto, vieram acordos com Amazon, YouTube e Netflix que criam uma oferta mais ampla e quem sai ganhando nisso? O fã de NFL que não tem um segundo de black-out sequer.
Logo, quando falamos em receita de bolo, é aí que queremos chegar. No estudo detalhado de tudo que faz a NFL, para além da ponta do iceberg. Claro que diversas adaptações são necessárias para adequar as estratégias ao mercado brasileiro, mas o caminho está dado.
E a passagem da NFL por aqui só reforça a ameaça já consolidada pelo futebol europeu nas últimas duas décadas: se não nos mexermos logo, os players globais, seja a NFL, a NBA, o Manchester City ou o Real Madrid, vão levar o coração dos nossos fãs pra mais longe de casa.