Em um mundo cada vez mais acelerado, encurtar as experiências parece uma tendência. Os vídeos de trinta minutos no YouTube deram lugar aos virais de poucos segundos no TikTok; pessoas escutam áudios e assistem vídeos em velocidade acelerada, na tentativa de salvar o que parecem ser preciosos minutos ao longo do dia. As tarefas se acumulam, as horas passam voando, e seguimos em uma tentativa alucinada de fazer mais coisas em menos tempo, em uma constante batalha contra o tempo.
Essa tendência, como era de se esperar, também afeta o mercado esportivo. O exemplo mais claro dessa mudança é a Major League Baseball (MLB), que implementou o pitch clock na tentativa de tornar o esporte mais dinâmico e as partidas mais curtas. A mudança na temporada passada resultou em partidas em média meia hora mais curtas, além do recorde de bases roubadas em quase 40 anos, contribuindo com o processo de modernização tão buscado pelo esporte na última década.
Ainda assim, se dentro de campo a modernização muitas vezes passa pela diminuição do tempo de jogo, fora de campo eu defendo uma abordagem contrária. Por mais contraditório que isso possa parecer, a falta de tempo observada atualmente demanda que as equipes de marketing tornem os eventos mais longos e robustos fora de campo. Para tentar provar meu ponto, vou usar como exemplo duas de minhas experiências profissionais nos Estados Unidos – com Florida State e SEC – e, principalmente, a organização da primeira partida da NFL no Brasil.
Em dezembro do ano passado, viajei por uma semana para Atlanta para trabalhar com ativação de patrocínios na final da SEC, maior conferência do futebol americano universitário. A partida entre Georgia, então bicampeã nacional, e Alabama, historicamente a maior potência do país na modalidade, entraria na lista dos cem eventos mais assistidos do país em 2023, liderando os jogos de futebol americano universitário na última temporada com mais de 17 milhões de espectadores. Os sessenta minutos de jogo, no entanto, eram apenas o encerramento de dois longos dias de atrações ao redor do estádio, em eventos que receberam ao todo quase cem mil torcedores.
Essa é uma tendência que observo em todo grande evento esportivo nos Estados Unidos, e que é amplamente difundida na indústria americana. Durante essa viagem, tive a oportunidade de conversar com executivos do Atlanta Hawks, franquia constantemente eleita a melhor experiência esportiva do país por torcedores. O tema dessa conversa girou em torno de como organizar as experiências dos fãs em torno das partidas, garantindo uma experiência positiva mesmo em caso de resultados desfavoráveis. Nas palavras de um desses executivos, uma equipe de marketing que deixa a satisfação de um torcedor ser definida pelo resultado dentro de quadra é não apenas incompetente como irresponsável.
Nesse sentido, a partida entre Philadelphia Eagles e Green Bay Packers no último dia 6 mostrou uma organização parecida. O jogo, por óbvio, foi o ponto alto de todo um final de semana de atrações na cidade. De sexta-feira a domingo, o Parque Villa-Lobos contou com uma série de atividades para torcedores, criando uma possibilidade de imersão para paulistanos e turistas. Entre as atividades, estavam uma série de desafios, como testes de habilidade em chutes de field goal, corridas de 40 jardas e lançamentos. Além disso, a NFL organizou uma corrida de rua no domingo, aumentando o alcance da marca na cidade de São Paulo e tornando o evento como um todo muito mais robusto e interessante para o público.
A lógica por trás dessa transformação do esporte em entretenimento é bastante simples, e pretendo me aprofundar nessa reflexão com relação ao mercado brasileiro no próximo mês. Me mantendo no mercado dos Estados unidos, por enquanto, fica claro que as organizações americanas entendem muito bem esse posicionamento do esporte enquanto entretenimento, e esse conceito fica muito claro quando nos colocamos no lugar dos torcedores.
Florida State, a minha universidade, por exemplo, fica localizada em uma cidade de cerca de duzentos mil habitantes, com as cidades grandes mais próximas ficando a uma distância de pelo menos duas horas e meia de carro. Ainda assim, o estádio de futebol americano da universidade conta com uma capacidade de aproximadamente oitenta mil torcedores, ou 40% da população local, lotando em praticamente todos os jogos. Essa lotação, naturalmente, vem em maior parte da população local, mas também depende da vinda de torcedores espalhados por todo o território nacional.
Essa vinda, por sua vez, tem o jogo como principal motivação, mas a tarefa de fazer torcedores viajarem por mais tempo do que o próprio tempo de jogo é obviamente desafiadora. Ainda mais quando se leva em conta que famílias inteiras chegam em Tallahassee nas manhãs de sábado para assistir aos jogos de futebol americano da FSU. Como convencer um pai com dois filhos a encarar cinco horas de estrada com a família para assistir uma partida de três horas, então? A saída mora em apresentar, numa rotina já bastante corrida, uma programação que ocupe ainda mais tempo e que tenha uma quantidade maior de atividades. Muito raramente se vê torcedores chegando ao estádio com meia hora de antecedência à parte e deixando o estádio direto para suas casas.
O esporte nos Estados Unidos é uma programação de longa duração, com as mais diversas atividades sendo oferecidas no entorno do estádio desde muito antes do pontapé inicial.
Na última temporada, trabalhei em todas as partidas em casa organizando um dos diversos eventos que acontecem ao redor do estádio em dias de jogos. Trabalhando com a Learfield, maior empresa de gestão de patrocínios esportivos do país, meus dias de jogo ficavam voltados à Fan Fest organizada pelos patrocinadores para os torcedores. Entre distribuição de raspadinhas gratuitas e montagem de infláveis com desafios de lançamentos de futebol americano, o evento tinha como objetivo oportunizar essa conexão entre torcedores e patrocinadores, aumentando receitas ao mesmo passo em que se aumenta a satisfação de torcedores com o evento como um todo.
Em outubro, pretendo trazer essa discussão para o contexto do futebol brasileiro e, principalmente, das SAFs, mas o meu ponto é muito simples: em um mundo cada vez mais corrido e com progressivamente mais informação, o mercado esportivo precisa se entender como fornecedor de entretenimento e, para tanto, aumentar seu escopo de atuação e a complexidade de seus eventos.