
No último mês, publiquei um artigo analisando as atrações extracampo organizadas pela NFL ao longo da semana em que a liga sediou sua primeira partida no Brasil. Na ocasião, ainda que eu tivesse a organização das atrações no Parque Villa-Lobos como pano de fundo, a análise foi muito mais baseada no mercado americano do que no brasileiro. Esse mês, então, eu volto para retomar o assunto, dessa vez focando no esporte brasileiro.
O ponto principal naquele momento era que o esporte brasileiro (sendo o futebol o maior exemplo disso) falha em se posicionar como um produto de entretenimento. Nesse momento, quero dar um passo além e mostrar que as mudanças recentes no futebol brasileiro, principalmente com a implementação das SAFs, não nos levam pelo caminho correto e um ajuste na rota é necessário.
Para tentar construir meu argumento, eu antes gostaria de fazer uma diferenciação entre os modelos de negócio das duas maiores ligas esportivas do mundo, a NFL e a Premier League. Minha maior experiência estudando gestão esportiva nos Estados Unidos, obviamente, é com o modelo de negócio das ligas americanas (e do esporte universitário), mas tive duas das minhas matérias do mestrado na Inglaterra, onde passei cerca de dois meses estudando o modelo britânico. Essa diferenciação é importante porque me parece muito claro que há anos o futebol brasileiro busca seguir o modelo da Premier League (ou da Europa, em geral), enquanto o modelo da NFL me parece muito mais adequado à realidade brasileira.

A Premier League, em resumo, busca se diferenciar enquanto principal liga de futebol no mundo. A liga consolida sua força reunindo grande parte dos principais jogadores do futebol internacional, e para isso conta com uma série de investidores que não necessariamente buscam o lucro. Clubes como Chelsea e Manchester City, e mais recentemente o Newcastle, são provavelmente os exemplos mais claros disso, mas essa é uma prática generalizada na liga. Não à toa somente quatro times declararam lucro antes do pagamento de impostos na temporada 2022/23, com o restante dos clubes apresentando um prejuízo médio pré-impostos de 58 milhões de libras.
A NFL, por outro lado, é uma liga com um enfoque muito maior em entretenimento. E isso não é óbvio em uma primeira análise, uma vez que o nível competitivo e o profissionalismo da liga são altíssimos. A diferença, portanto, é que a NFL não vende jogos de alto nível – ainda que ela seja perfeitamente capaz de ofertá-los –, mas entretenimento. Investidores na NFL, ao contrário da Premier League, buscam o lucro, e conseguem isso como em nenhum outro lugar no mundo. Em 2022, por exemplo, o menor lucro na liga americana (Buffalo Bills, $65M) foi superior ao maior lucro na Premier League (Manchester City, $59M).
E o fato de os Bills terem tido o menor lucro da liga naquela temporada prova meu ponto perfeitamente: a equipe de Buffalo foi campeã de sua divisão e disputou duas partidas de playoffs em casa, parando na rodada divisional dos playoffs. O que traz lucro, portanto, não é o resultado dentro de campo, mas o trabalho de marketing esportivo que ocorre no entorno. Equipes que perdem 100% de suas partidas em uma temporada continuam apresentando lucro, cenário muito diferente do observado em qualquer liga de futebol na Europa.

O que eu vejo no Brasil, infelizmente, é uma busca por se parecer cada vez mais com a Premier League, e cada vez menos com a NFL. Eu fui cético, desde o primeiro dia, com a capacidade das SAFs de mudarem esse cenário, e não vejo nenhum exemplo me provando errado atualmente. E aqui certamente cabe o comentário de que, pelo que se propõem a fazer, as SAFs hoje são sem dúvidas um sucesso. Meu argumento aqui é justamente de que a proposta dessas novas gestões dos clubes brasileiros está equivocada.
Para entender por que seriam consideradas um sucesso, basta abrir a tabela do Campeonato Brasileiro. Enquanto escrevo esse parágrafo, o Botafogo lidera o campeonato e segue em vias de encerrar um jejum de quase 30 anos sem títulos de primeira prateleira. Bahia, Cruzeiro e até mesmo o Vasco (com todos os seus problemas com a 777) hoje apresentam um nível competitivo muito maior do que o apresentado no momento de suas vendas. Com esse sucesso dentro de campo, portanto, eu vejo um número cada vez maior de torcedores clamando pela venda de seus clubes na esperança de que se consiga construir um time competitivo.
Há dois ou três meses, publiquei um texto aqui nesse sentido, e continuo irredutível na minha opinião: o enfoque em resultados dentro de campo está equivocado e é nocivo ao futebol brasileiro. E o motivo é bastante simples: não há espaço para todos. Se vinte clubes tivessem sido vendidos para investidores como John Textor, um deles seria campeão e quatro seriam rebaixados. A matemática da competição não muda conforme investidores entram e saem do país. Todo ano, só um time sai campeão e quatro times precisam repensar seus projetos enquanto rumam para a segunda divisão nacional. Um modelo que busca premiações e vendas de atletas para encontrar lucro, portanto, é um modelo fadado ao fracasso, e o futebol brasileiro não pode se dar ao luxo que a Premier League se dá de ter todo ano investidores do mundo inteiro colocando dinheiro à fundo perdido para montar times de futebol.
Existe, porém, um modelo em que dezenas, centenas de clubes conseguem se manter prósperos ao mesmo tempo, e esse é um modelo em que o marketing esportivo é tido como prioridade. Por óbvio, em um modelo assim, todo ano continuam caindo quatro times e só um se sagra campeão, mas não é daí que vem a estabilidade e o sucesso de um clube. Esse caráter competitivo é parte fundamental do esporte, e não faz sentido algum sequer cogitar uma mudança nesse aspecto, mas é preciso se implementar um modelo em que mesmo times com sucessivos rebaixamentos continuem sendo viáveis e sólidos.
Se nem todos os clubes podem prosperar ao mesmo tempo buscando vendas de atletas e premiações esportivas, o mesmo não é verdade quando o modelo de negócios é baseado em venda de direitos de transmissão, ingressos e patrocínios, por exemplo. Isso vale para os Estados Unidos, Inglaterra, mas principalmente para o Brasil, com suas dezenas de potências estaduais e regionais. E aqui entra o que comentei em meu último artigo: parte vital desse processo é transformar as partidas de futebol no Brasil (e o mesmo vale para outros esportes) em um verdadeiro entretenimento.
Não vou me estender muito mais, mas queria deixar um exemplo prático dessas diferentes perspectivas. E esse exemplo é especialmente importante porque boa parte das pessoas torce o nariz para a ideia de “americanizar” o esporte brasileiro sob o argumento de que algumas práticas não fazem parte da nossa cultura. O exemplo, então, é bem simples, e vai ser bastante claro para quem acompanha tanto a Premier League quanto a NFL (ou o college football). Pense na entrada dos times em campo e na mensagem que essa entrada passa aos torcedores e espectadores. Mais do que isso, pense em como isso se compara com o que observávamos no Brasil há duas décadas e com o que observamos hoje.
Para os que não acompanham as ligas, ou nunca perceberam as diferentes abordagens, a diferença é simples. Na Premier League, os times entram juntos em campo, se alinhando para cumprimentos antes da partida. A mensagem que se passa é de organização e profissionalismo, dando início a partidas de alto nível técnico. É exatamente o mesmo ritual que se busca seguir no Brasil, ainda que a tentativa de se posicionar como uma liga organizada, profissional e de alto nível técnico tenha uma dificuldade muito maior de ter sucesso aqui.
Nos Estados Unidos, por outro lado, os times entram separados, muitas vezes com rituais de entrada muito específicos a tradicionais, que normalmente envolvem bandeiras e mascotes. Minha universidade, por exemplo, inicia suas partidas com bandeiras, cheeleaders e, principalmente, um cavalo Appaloosa com um índio carregando uma lança em chamas que é fincada em campo logo antes da entrada dos atletas. É um processo muito mais voltado para o entretenimento e muito mais parecido com o que se observava no futebol brasileiro há algumas décadas. As famosas recepções de torcidas brasileiras, no entanto, se perderam na tola tentativa de profissionalização do esporte nacional.
O país responsável pelo maior espetáculo da Terra não precisa copiar os Estados Unidos em absolutamente nada, mas o foco aqui precisa ser o mesmo que lá. A busca pela criação de entretenimento ao redor dos eventos esportivos pode (e precisa) ter a cara do Brasil, mas essa precisa, repito, ser o foco. O cavalo Appaloosa e as cheerleaders dariam espaço às bandeiras, papel picado e sinalizadores, de forma a criar um espetáculo com a cara do país que torne viáveis dezenas de clubes nas mais diversas regiões do Brasil.