Dois meses após a realização dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, Vinicius Rodrigues abriu o jogo em entrevista exclusiva ao MKTEsportivo. O velocista brasileiro de 29 anos, que participou do Big Brother Brasil (BBB 24) em ano de Paralimpíada, questionou a “inversão de valores” no Brasil.
“Eu sou conhecido por um reality em duas semanas que fiquei em uma casa, mas não sou conhecido por 10 anos que eu tenho de esporte. A inversão de valores hoje é muito grande. Acho que a gente está se perdendo muito. Precisamos valorizar muito mais o esporte, senão daqui a pouco todo mundo vai querer ser Tiktoker”, afirmou Vinicius.
O velocista abordou também a importância das marcas que o patrocinam e elogiou a “estrutura sinistra” do Centro de Treinamento do Comitê Paralímpico Brasileiro.
“Se não fosse o patrocínio do Bolsa Atleta na época na pandemia, com certeza teria abandonado o esporte. O Bolsa Atleta é o grande salvador do esporte brasileiro. Muitas pessoas criticam sem saber a realidade e a realidade dos atletas”, comentou, ao falar sobre o programa do Ministério do Esporte criado em 2005, que patrocina atletas e paratletas de alto rendimento.
Um dos questionamentos de Vinicius visa o aumento da divulgação dos esportes paralímpicos. Pensando nisso, ele questionou o motivo pelo qual os Jogos Paralímpicos de Paris 2024 não foram televisionados em TV aberta no Brasil.
“Você investe quatro anos para chegar em uma Olimpíada e seu próprio País não transmite em TV aberta, então como vamos atingir novos atletas e novas marcas se não temos tempo de tela? A própria cultura do País não facilita essa questão. Como uma empresa fecha os direitos só em uma plataforma fechada?”, indagou o paratleta brasileiro que conta com duas medalhas em Paralimpíadas e outras duas em Mundiais.
Confira abaixo a entrevista completa com Vinicius Rodrigues:
Quais são as marcas que o patrocinam e, caso possa abrir, os valores dos contratos?
As marcas que me patrocinam são: Asics, Time São Paulo, Bolsa Atleta, Ottobock e Loterias Caixa, patrocínio referente ao ranking. Dá um valor em torno de uns R$ 30 mil por mês fora os bônus que têm a cada quatro anos só, mas a realidade é essa. Não dá nem para comparar essa questão de olímpico e paralímpico que fica muito diferente, parece até que é outro esporte.
Na sua visão e experiência, qual a importância dos patrocinadores para os paratletas?
A importância do patrocínio é tudo, ninguém treina apenas por amor ao esporte, treina para mudar a condição da família. Eu mesmo sai da minha cidade há 10 anos para estar para aqui para isso, então os patrocínios são muito importantes, dá valor ao sacrifício da gente estar aqui em São Paulo. É tudo questão de reconhecimento, o espaço que a gente tem na mídia. Eu apareço de quatro em quatro anos, 12 segundos, os patrocinadores não vão querer um cara para isso, eles vão querer alguém que esteja na mídia direto.
Muitas pessoas têm dúvidas sobre como funciona o Bolsa Atleta na prática.
Eu recebo o Bolsa Atleta desde 2017, 2018, quando eu bati o recorde do mundo e entrei em sétimo do ranking mundial que eu comecei a ganhar, aí subi para terceiro, depois para primeiro e eu eu recebo o teto, que é R$ 15 mil. Se não fosse o patrocínio do Bolsa Atleta na época da pandemia, com certeza teria abandonado o esporte. O Bolsa Atleta é o grande salvador do esporte brasileiro. Muitas pessoas criticam sem saber a realidade e a realidade dos atletas.
O Centro de Treinamento do Comitê Paralímpico Brasileiro é uma referência mundial. E isso é reflexo dos grandes desempenhos do país em Jogos Paralímpicos. É, de fato, de outro mundo?
O CT é um lugar absurdo de bom, estrutura sinistra. Eu treino desde quando inaugurou. Eu só mudaria trazendo todos os atletas bons para cá, mas ninguém quer pagar esse sacrifício de ficar na capital, eu já estou há 10 anos aqui e sei qual é o preço disso, de ficar longe de casa. Eu treino aqui justamente pelo meu treinador, fisioterapia, assim fica tudo no mesmo lugar.
Como é realizado o planejamento de treinos visando o próximo ciclo paralímpico? Ele segue a rotina de preparação para as demais competições do calendário?
Meu objetivo é sempre Mundial e Paralimpíada, que é o que vale, mas como a gente têm que se manter no top no ranking para ganhar os projetos, então tem que ficar liderando o ranking, no top 3 para garantir o leite das crianças. Se o Vinicius não pega medalha ali em Paris é ‘tchau’. No ano seguinte ninguém ia nem lembrar, porque provavelmente eu já teria parado. Essa é realidade do atletismo. Se você corre você está bem.
Atletas estão se tornando cada vez mais donos de marcas, cientes da influência e alcance que possuem. Você possui alguma marca própria ou pensa em investir futuramente para abrir o seu negócio?
Eu não sei para qual área vou mudar, não penso em fazer marca própria, talvez algum negócio no futuro, estou bolando a estratégia do que seria melhor. É complicado você investir tudo sem saber, tem que ter um montante bom e juntar este montante sendo atleta tendo que sustentar umas três casas é complicado, ainda mais sendo atleta paralímpico. Enquanto alguns estão em casa, no interior, conseguindo guardar o seu dinheiro, eu estou na capital, então é um custo de vida muito alto. Eu ainda que tenho família, duas filhas, se colocar tudo na ponta do lápis não compensa.
Sobre o apoio aos atletas olímpicos, há diferença em investimento e mídia em comparação aos atletas paralímpicos?
Com 10 anos de esporte fico chateado. Quando a gente sobe no pódio, acha que vai através um portal mágico e que as coisas vão mudar, mas não muda nada, é só ilusão mesmo. Não somos unidos com os atletas olímpicos. Pode ver que nenhum dos atletas olímpicos posta nada dos paralímpicos, e quando é ao contrário a gente fica lá torcendo. Pensamos que teríamos a mesmo transmissão e não tivemos. Já entramos frustrados, porque sabíamos que nem conseguiriam nos ver. Você investe quatro anos para chegar em uma Olimpíada e seu próprio País não transmite em TV aberta, então como vamos atingir novos atletas e novas marcas se não temos tempo de tela? A própria cultura do País não facilita essa questão da empresa. Como vende os direitos só em uma plataforma fechada? Não faz sentido isso. Quando você vê Olimpíada e compara o que tiverem de mutirões e tudo que a CazéTV fez pela transmissão mudou a vida de muitos atletas.
Saindo rapidamente do esporte, mas agora entrando no território do entretenimento, como você avalia sua participação no BBB 24? Foi uma visibilidade importante?
A participação no reality foi justamente para tentar mudar de vida. Quando que eu ia fazer R$ 3 milhões, em quantos Jogos? A medalha de ouro vale R$ 250 mil, é só colocar na ponta do lápis para ver se compensava ou não. Foi um golpe de maluco tentar ir no ano dos Jogos, eu sei, mas eu assumi o risco. Energeticamente foi um arrependimento muito grande, eu fui mais pela questão da grana, mas as marcas não entraram. Não mudou nada, a não ser o reconhecimento do povo na rua. Não teve nenhum patrocínio a mais. Se eu pudesse eu nem entraria, me arrependo de ter entrado. Não indicaria ninguém a entrar no reality, porque mexe muito com a cabeça, se a cabeça não tiver muito boa vai para o pau, a minha quase foi, inclusive estou tentando arrumar até agora, mas a gente arruma na marra, desde sempre concertando em movimento.
O Brasil fez sua melhor campanha na história dos Jogos Paralímpicos em Paris 2024, terminando em 5º. O que se deve esse ótimo rendimento na sua opinião?
Para gente chegar nesse nível já foi um milagre. A gente tem uma geração muito boa, mas o tempo vai passando e o pessoal de 2000 para frente não vai classe T63, para atletas amputados de perna acima do joelho ter essa capacidade para pegar tudo isso de medalha. Eu não imagino que o Brasil vá bater essa campanha em Los Angeles 2028. Na China, o pessoal ganha aposentadoria quando ganha medalha, a cultura do Brasil em reconhecimento de esporte é muito diferente. Eu sou conhecido por um reality em duas semanas que fiquei em uma casa, mas não pelos 10 anos que eu tenho de esporte. Então a proposta de ser o herói da nação não compensa financeiramente tanto quanto se eu ficar rebolando, vendendo fotos na internet. A inversão de valores hoje é muito grande. Acho que a gente está se perdendo muito, precisamos valorizar muito mais o esporte, senão daqui a pouco todo mundo vai querer ser Tiktoker.
Pra fechar, qual é o seu maior sonho como atleta paralímpico?
O meu maior sonho era ter levado a minha mãe para as Paralimpíadas. Eu queria ter ganho aquele reality justamente para ter a condição de falar “não quero vir para o Brasil, quero ir para a gringa, vou fazer uma temporada lá”. Eu não consigo bancar minha temporada lá fora, eu não tenho patrocinadores para bancar minha temporada na Europa. Essa liberdade de levar meus pais para assistir os Jogos. É muito caro. Como que eu ia levar a minha mãe e minha irmão para Paris e pagar cinco vezes mais que a nossa moeda? Então, essa diferença de ver meus adversários com a família toda deles assistindo. Sonho que as empresas coloquem próteses nas crianças, mesmo sabendo que o valor é alto, é pegar 10 próteses e colocar na molecada e ensinar elas a correr é uma parte do legado que eu quero continuar.